segunda-feira, 2 de março de 2009

CONSENSO DE WASHINGTON: BASES E DESDOBRAMENTOS NO MUNDO SUBDESENVOLVIDO

Em 1990, o Fundo Monetário Internacional (FMI) passou a recomendar oficialmente a adoção de um conjunto formado por dez medidas econômicas voltadas para promover o ajustamento econômico de países subdesenvolvidos que passavam por dificuldades. Esse conjunto de medidas, formulado por economistas de instituições situadas em Washington (EUA) como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, foi fundamentado em um texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy, e por ele denominado de Consenso de Washington.


Segundo o CID-Harvard University, quando cunhou a expressão, Willamson assinalou que o Consenso de Washington deveria representar "o mínimo denominador comum de recomendações de políticas econômicas que estavam sendo cogitadas pelas instituições financeiras baseadas em Washington e que deveriam ser aplicadas nos países da América Latina, tais como eram suas economias em 1989". Ou seja, a "receita" para a retomada do crescimento depois das crises dos anos 1970 e 1980.

As dez recomendações do Consenso de Washington eram as seguintes:

Abertura Comercial - com a redução de tarifas alfandegárias liberalizando o comércio internacional.

Privatização de Estatais - reduzindo o papel dos Estados como empresários nas economias nacionais.

Redução dos Gastos Públicos - que, entre outras possibilidades, viabilizariam maior superávit primário, ou seja, uma maior economia para pagamento de dívidas externas.

Disciplina Fiscal - estabelecendo um rígido controle sobre os gastos públicos para favorecer o controle inflácionário, evitar o aumento do déficit público e, preferencialmente, sustentar uma política fiscal expansionista.

Reforma Tributária - reduzindo e otimizando a cobrança de impostos sobre a produção e a circulação de mercadorias e serviços.

Desregulamentação - baseada no afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas a fim de favorecer a livre iniciativa.

Estímulo aos Investimentos Estrangeiros Diretos - reduzindo ou eliminando restrições para o investimento de capitais na instalação de filiais de determinadas empresas fora de seus países-sede.

Juros de Mercado - permitindo a adaptação às conjunturas momentâneas a partir de taxas flutuantes.

Câmbio de Mercado - viabilizando a realização de ajustes nos balanços de pagamentos e associando seu comportamento às intervenções das autoridades monetárias, ou seja, dos bancos centrais.

Direito à Propriedade Intelectual - protegendo principalmente o que se refere a patentes, marcas, desenho industrial, indicação geográfica e cultivares.

À revelia do próprio Williamson, a expressão Consenso de Washington passou a ser usada para justificar a adoção de políticas neoliberais defendidas principalmente pelos economistas da Escola de Chicago.

A experiência neoliberal surge em 1970, no Chile de Augusto Pinochet, com os Chicago Boys, economistas formados na Universidade de Chicago e influenciados pelas idéias de Milton Friedman, ganhador do Prêmio Nobel de economia em 1976. Os chilenos anteciparam em quase dez anos a adoção do neoliberalismo por Tatcher - Tatcherismo inglês - e por Reagan - Reaganismo norteamericano.

O Neoliberalismo é uma doutrina econômica que preconiza a restrição à intervenção estatal na economia e o fundamentalismo de livre-mercado que, segundo George Soros, criador dessa expressão, "coloca o capital financeiro ao volante" da economia. Retoma a clássica metáfora liberal de Adam Smith de que a "mão invisível" conduziria o capitalismo ao equilíbrio econômico. Bastaria, para isso, o controle inflacionário e do déficit público, segundo os neoliberais da Escola de Chicago.

Nesse contexto, o Neoliberalismo se opõe diretamente ao Keynesianismo vigente até então, que preconizava a atuação direta do Estado na economia e que essa atuação deveria preocupar-se com a geração do estado de bem-estar social. Ou seja, o Neoliberalismo faz ressurgir a defesa da minarquia - teoria política onde estão entre as funções do Estado apenas a promoção da segurança, da justiça e do poder de polícia, além da criação de legislação necessária para assegurar o cumprimento destas funções. E representa uma retomada do Laissez-faire (do francês, deixai fazer), chavão do liberalismo smithiano defendendo a redução do protecionismo nas trocas internacionais.

O Consenso de Washington acabou por traduzir os preceitos neoliberais num contexto de crise das economias de planejamento central do mundo socialista e da queda do muro de Berlim. A implantação sem questionamentos do receituário "infalível" do FMI para o desenvolvimento econômico do mundo subdesenvolvido trouxe consequências diversas, em muitos casos, bastante negativas, reveladas pela crise asiática de 1997, pela crise da Rússia em 1998 e pela "quebra" da Argentina em 2002.

As crises, com diversas características específicas, possuem pelo menos uma razão em comum: o Consenso de Washington acreditava que a liberalização dos mercados determinaria um fluxo de capital dos países mais ricos para os mais pobres, no entanto foi exatamente o contrário que aconteceu. Em vez de ocorrerem melhorias na distribuição de renda pelo mundo, a situação piorou, de acordo com dados estatísticos da ONU publicados no livro "Flat Wolrd, Big Gaps" (Um mundo plano, grandes disparidades - tradução livre).

Vários princípios do Consenso de Washington, que sustentam a ideologia neoliberal, podem se considerados "globalizantes" por estimularem a integração econômica internacional, principalmente através da abertura de mercados, das privatizações e do estímulo aos investimentos externos diretos. Entende-se, portanto, que o processo recente de globalização da economia mundial, de certa maneira, contribuiu para agravar as desigualdades sociais e econômicas que erguem um fosso entre o mundo desenvolvido e o mundo subdesenvolvido.

Nesse contexto, despontaram diversas manifestações antiglobalização em todo o mundo. O grande marco desse movimento foi o encontro de manifestantes em Seattle (EUA), no dia 30 de novembro de 1999, em protesto contra a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) naquela cidade. Ali uniram-se partidários de diversas ideologias: anarquistas, marxistas, ecologistas, católicos progressistas, pacifistas, sindicalistas, antimilitaristas, movimentos camponeses, organizações não-governamentais generalistas e de direitos humanos, entre outros grupos. Todos protestando contra os rumos atuais do processo de globalização. Por essa razão fale-se em "o movimento dos movimentos". Mais tarde surge o termo "Altermundialismo" cunhado por Ignácio Ramonet, editor do jornal francês Le Monde Diplomatique.


Nessa linha de contestação, surgiram no mundo periférico os Fóruns Sociais Mundiais, cujo primeiro aconteceu no Brasil, em Porto Alegre, no ano de 2001. Eles ocorrem nos mesmos dias em que ocorrem em Davos, na Suíça, os Fóruns Econômicos Mundiais, onde predominam as idéias defendidas pelas grandes corporações transnacionais que se beneficiam do processo de globalização e se esforçam pelo seu avanço.

As cartas estão na mesa e descortina-se um mundo de possibilidades para o futuro diante da realidade concreta do aprofundamento das desigualdades entre ricos e pobres. O que parece claro é que o Consenso de Washington não é mais um consenso. Talvez, como na hipótese de Dani Rodrik, professor de política econômica da Universidade de Harvard, o Consenso de Washington tenha tornado-se a Confusão de Washington.

Um comentário:

Anice Afonso disse...

Muito esclarecedor, deixa claro os pontos sugeridos pelo FMI para a recuperação econômica de países emergentes a partir da década de 1990. Alguns desdobramentos da adoção dessas políticas também foram mencionadas, permitindo compreender seus efeitos em países específicos.